ENDEREÇO

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Vai Lenço Feliz Histórias
de artesãos
[ Histórias de artesãos ]

"É assim a vida."

Sabe daquelas surpresas boas da vida, quando a gente menos espera? Foi assim que esta história começou para nós. Eu havia marcado uma visita ao ateliê do Fernando Rei, para conhecer um pouco mais o seu trabalho no tear – falamos sobre a história dele em outro capítulo especial (aqui). Já a subir a estrada para Aboim da Nóbrega, uma freguesia ainda mais verde do que a freguesia de Vila Verde, eu procurava pelo telhado, também verde, referência que o Fernando me avia falado para chegar ao ateliê. O que ele não havia dito era que sua bela mãe estaria à espera, no jardim à frente da casa.

Aproximei-me, ela estava com o olhar ao longe, e disse: “estou aqui a observar o trabalho daqueles homens a armazenar o feno. É assim, guarda-se no verão para ter o que comer no inverno. É assim a vida”. Eu, diante daquela observação, complementei: “é como a história da cigarra e da formiga, pois não?”. Sorrimos, ela se apresentou, disse que era a mãe do Fernando e que ele estava à minha espera no ateliê, anexo à casa. E acompanhou-me até lá. Enquanto eu começava a conversa com ele, dona Rosa começou a fiar a lã. Aquela cena me emocionou, pedi a ele um tempinho na conversa e comecei a falar com ela.

“A senhora ainda trabalha com a lã, dona Rosa?”, perguntei-lhe. “Só por distração, fico cá a acompanhar o Fernando às vezes.” São 76 anos que ela tem, mas, uma destreza de fazer suspirar até as mocinhas.

“Eu já bordei também, nas horas livres do trabalho do campo”, ao que completou o Fernando: “um dos originais dos lenços daqui de Aboim foi ela quem fez. Eu o tenho em moldura, já te mostro”.

Estava eu ali, diante da bordadeira de um dos originais dos “Lenços de Namorados do Minho”*, coletado em Aboim da Nóbrega em 1995. Chama-se “Lenço da Borboleta” e foi produzido nos idos de 1950, pela dona Rosa da Costa Araújo, nascida e criada em Aboim.

Começou a falar-me da sua história: “sobre tecer, minha mãe já tecia, tínhamos um tear em casa. Naquele tempo, nós é que fazíamos toda a roupa da casa, mantas, toalhas, e também as que vestíamos. Eu que ensinei também ao Fernando a tecer. Mas, hoje, ele faz coisas ainda muito mais bonitas dos que as que ensinei”. Uma pausa para um olhar de orgulho da mãe ao ver e mostrar o trabalho do filho. “E o bordado, dona Rosa, como entrou na sua vida?”.

“Tínhamos ali uma vizinha que bordava, íamos a ele e ela nos ensinou a fazer os lenços bordados. Eu tinha mais ou menos 15, 16 anos. Aos 19, casei-me e a atenção foi para a casa, o marido e os filhos. Mas, só fiz dois lenços bordados, este que o Fernando tem ali guardado, e um pequenino, que usava quando ia para as festas. Eu usava aventais por cima da roupa, e sempre que ia para uma festa, ou uma celebração ao domingo, punha o lenço com uma pontinha pra fora, a aparecer.

Um lenço bordado era usado nestas ocasiões, era um luxo, não era para o dia a dia!”. Ao que logo perguntei: “dona Rosa, como era costume naquela época, o lenço que a senhora usava foi oferecido a alguém em especial?”. Ela respondeu logo que não e completou: “as raparigas usavam os lenços com uma pontinha de fora. Bastava um rapaz ver e logo vinha até nós e, rapidamente, como se estivesse mesmo a roubar algo, nos tirava o lenço do bolso. Era uma brincadeira, um pretexto de aproximação. E, olha, muitas vezes, o lenço que era ‘roubado’ era oferecido a outra rapariga, do interesse daquele rapaz! Mas, a mim, só aconteceu uma vez, porque fiz só um lenço para sair, e nem me lembro a quem foi parar. É assim a vida, já passou!”.

Eu, ali, diante daquela rica descoberta e de uma conversa tão agradável, afinal falamos de tanta coisa que nem cabe aqui, disse a ela: “ô dona Rosa, eu de vez em quando vou voltar aqui para conversar com a senhora e tomar um café, pode ser?”. “Pode, pode, mas, não sei se minhas conversas interessam muito”. Ah, dona Rosa, a senhora nem sabe o quanto interessam, desde que pus os olhos na senhora, ali fora, desde a primeira frase que me disse, na verdade, a primeira lição. “Ah, pois, a lição da cigarra e da formiga, devemos mesmo aprender com elas, deve ser um exemplo, a gente deve trabalhar para guardar para amanhã!”, disse ela a se lembrar de como começamos.

Claro que vou voltar, dona Rosa! São estas histórias reais que fazem com que nós, Vai Lenço Feliz, queiramos cada dia mais, ser também um ponto neste bordado. E, assim como um tecido se enche de cor e revela tanto encanto, nós colocamos em palavras tantas histórias especiais. Valorizando cada saber, o que move o coração, com partilha, reconhecimento e muita vontade de somar.

Vai Lenço Feliz. A contar histórias felizes.
Texto de Andrea Monteiro, Gestora de marketing e relacionamento, em julho de 2021.

Nota: “Lenços de Namorados do Minho” é uma I.G (Indicação Geográfica) com produção certificada, de origem portuguesa.