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Vai Lenço Feliz Histórias
de artesãos
[ Histórias de artesãos ]

A tradição do linho, a tradição do amor em Amares

Começamos a nossa conversa ao início da tarde de uma segunda-feira, pra começar mesmo bem a semana e o mês de agosto. Fui a caminho de Amares, com uma orientação especial: “quando chegares ao pé do edifício da Câmara Municipal, siga em frente, menina Andrea, ligas-me que vou até à estrada encontrar consigo”. Esta disponibilidade, por si só, já tinha deixado o meu coração aos pulos.
Dona Sameiro Leão, uma das bordadeiras mais antigas da região, ou Dona Sameirinho, como é carinhosamente conhecida por muitos, estava mesmo à espera. Não só ela, como o seu esposo, o ´seu´ Manuel de tantos anos, de tanta vida juntos. Ela nos abriu a sua casa, a sua riquíssima coleção de “Lenços de Namorados do Minho”*, e, como numa antiga amizade, abriu também o seu coração.

Assim que entramos em casa, cuidadosamente organizados nas poltronas e nas mesas, estavam exemplares de uma história de vida dedicada aos bordados. E ela foi logo dizendo: “os lenços que aqui estão são cópias que eu tirei dos antigos, alguns já estavam muito velhinhos, mas, eu consegui tirar amostras destes lenços. Sabia que as raparigas bordavam isto tudo à luz da candeia, ou das velas, porque a eletricidade só veio muito mais tarde? Elas de dia trabalhavam nos campos e faziam isso tudo à noite, as mães fiavam o linho e elas bordavam e faziam as rendas durante os serões”. E, com a energia de uma menina, aquela senhora seguia a me dar uma aula de cultura e história. “Este lenço, por exemplo, era de uma pastora, sabe o que é uma pastora, aquela mulher que ia para o campo com as ovelhas e com o gado… pois, sabe, pronto! Quando eu tirei a amostra deste lenço, e aí já vão mais de 25 anos, ele já tinha 180 anos de existência. Portanto, é uma réplica de um lenço que tem mais de 200 anos de vida! Ela bordava aos bocadinhos, ia bordando consoante tomava conta às ovelhas, e então, escreveu todas as dedicatórias aqui de Amares, olhe”. E começou a ler, com uma emoção particular, uma por uma.

Enquanto eu ali ficava a admirar, não me contive e perguntei: “Dona Sameirinho, enquanto a senhora falava e mostrava os lenços, eu pude observar as suas mãos, tão lisinhas. A senhora se importa de me dizer a sua idade?” e ela, prontamente, respondeu: “eu tenho 81 anos. E bordo, costuro, cozinho, e trabalho muito, muito mesmo”, ao que foi lindamente interrompida pelo sr. Manuel “e é excursionista, organiza excursões por este mundo afora!”. “Não acredito, Dona Sameirinho, então, vamos excursionar juntas, eu também promovo viagens!”. E ela, imediatamente, perguntou onde era a minha agência, e completou “eu já fiz 19 peregrinações a Lourdes (FR), ia a Santiago (de Compostela-ES) todos os anos antes desta pandemia, fiz 09 temporadas no Algarve (PT) e por aí vai… já fui a Barcelona, a Burgos, Madrid, Tarragona (ES)… tenho corrido isto tudo… há 48 anos que faço isso…” E, num piscar de olhos,  iniciou outra história: “você sabe que os Lenços de Namorados são bordados no linho, certo? 

Aqui em Amares, temos 24 freguesias e, em todas elas, quase toda a gente cultivava linho. Semeavam, e tinham os teares para os tecer e fiavam-no… o linho dá muito trabalho, ui, Jesus! Semeia-se na chegada da primavera,  portanto, em junho ou julho, já está pronto para ser colhido. Era costume que os casais de namorados anunciassem o seu noivado durante a arrancada (colheita) do linho. Então, a rapariga enamorada, que já sabia que o anúncio seria feito, começava a bordar com antecedência o lenço que iria representar o seu pedido de casamento. E ainda bordava um outro lenço, menor, para oferecer ao noivo, para ele usar no bolso. Por fim, a família do rapaz também fazia um lenço para oferecer à rapariga, que o usava junto ao buquê no dia da cerimónia. Eram, então, 03 os lenços que simbolizavam o casamento. Veja só estes aqui, eu os encontrei em Guães, em 1986, quando fui dar uma formação de bordado nesta freguesia”.

“Ô, dona Sameirinho, que coisa mais linda! É como se a colheita do linho representasse também a colheita dos frutos daquele amor, não é mesmo?”, já estava eu a interrompê-la, com todo o meu romantismo. “Ora bem, menina Andrea, ainda pra mais, como a colheita era no verão e estava muito calor, a rapariga usava o lenço do pedido sobre os ombros, pra proteger enquanto ia trabalhar, de modo que, assim, toda a gente batia palmas quando a via, porque sabia que ali ia haver casamento. Também há que se fazer um anúncio como deve ser, pois não?”, arrematou com uma ‘marotisse’ muito particular.

E não paramos mais de conversar, conversa pra mais de dia. Prometo voltar a escrever sobre as experiências da dona Sameirinho, mas, quero fazer aqui um parêntese: o senhor Manuel esteve o tempo todo presente durante a nossa conversa. De pé, perto da mesa, vez ou outra entrava no assunto, normalmente para fazer um elogio à esposa, pra deixar os seus olhos azuis brilharem a chama de um amor que dura mais de meio século. Vivo.

Dona Sameirinho e ‘Seu’ Manuel, muito obrigada. Não há palavras que expressem toda a nossa gratidão por esta tarde. São histórias como a de vocês, de amor, que fazem com que nós, Vai Lenço Feliz, queiramos cada dia mais, ser também um ponto neste bordado. E, assim como um tecido se enche de cor e revela tanto encanto, nós colocamos em palavras tantas histórias especiais. Valorizando cada saber, o que move o coração, com partilha, reconhecimento e muita vontade de somar.

Vai Lenço Feliz. A contar histórias felizes.
Texto de Andrea Monteiro, Gestora de marketing e relacionamento, em agosto de 2021.

Nota: “Lenços de Namorados do Minho” é uma I.G (Indicação Geográfica) com produção certificada, de origem portuguesa.